Tentando entender a insólita trama narrativa de nossa amiga Ferds esposa do brods Guégs, que falava sobre surf, vietcongs, entre outras coisas, subimos a serra no ultimo bate-volta, rindo e imaginado o que ela tentou dizer. O lance do surf no Vietnã ficou na minha cabeça e lembrei então da mítica obra prima de Francis Ford Coppola , Apocalypse Now , que assisti quando o surf ainda não fazia parte da minha vida.
No filme, durante a guerra do Vietnã, o coronel Kilgore conversa com o soldado Lance Johnson, um surfista de Malibu, e fica sabendo da existência de ondas perfeitas quebrando sob uma bancada de corais, próximo ao acampamento. O coronel Kilgore, também surfista, encara como mais um dos desafios do surf o fato do point estar localizado em território ocupado pelos inimigos. Na manhã seguinte, ele parte pra lá com seus regimento (a clássica cena do helicópteros voando e destruindo tudo ao som de “Cavalgada das Valquírias” ). Pra garantir a surf session em meio a tiros de morteiro ele manda aviões bombardearem e lançarem napalm no vilarejo. Desta forma, o coronel conseguiu uma união improvável: O surf e a estupidez.
É certo que não era intenção do roteirista ou do diretor mostrar o surf como uma excentricidade em meio ao caos. Se insanidade da guerra desproveu de qualquer sentido o ato de pegar uma prancha e sair em direção ao mar, podemos entender a desconcertante cena como um resquício bestializado da vida que os soldados deixaram pra trás, uma absurda tentativa de fuga da massacrante realidade (quase o que a gente faz por aqui!), em meio ao absurdo maior da guerra.
O roteirista do filme, John Milius era surfista e sabia que o surf não estava tão distante assim da realidade da guerra. O exército americano enviava regularmente pranchas de surf ao Vietnã, sob a desculpa dos combatentes de que elas eram necessários para auxiliar os salva vidas. O documentário Between the lines, lançado este ano, investiga como o surf fez parte deste dramático capítulo do século XX. Grande parte dos jovens entre 18 e 25 anos que foram obrigados a servir eram da Califórnia, o lugar que mais representava a cultura surf nos Estados Unidos no final dos anos 60. Dos 58 mil mortos na guerra , pelo menos 10% eram de lá. Aqueles garotos que como eu ouviam Beatles e Roling Stones, também curtiam Deltones e Beach Boys e levaram o surf para as praias do Vietnã.
Ty Ponder, produtor do documentário , comentou numa entrevista à Espn sobre um soldado que conseguia avistar os vietcongues a menos de 100 metros da praia, armados com seus fuzis AK-47 enquanto pegava ondas. Este soldado contou a Ty que imagina ter sobrevivido a experiência "porque os inimigos odiariam matar alguém que estava se divertindo tanto".
Com o mundo sempre batendo à porta de outros conflitos, o comentário de nossa amiga suscitou em mim a percepção que havia escapado quando assisti o filme e não entendi muito bem o lance de um surfista e “ o cheiro de napalm pela manhã”, em mais uma guerra inútil. O surf me ajudou entender que “o horror, o horror” era excencialmente loucura...
“If I say it’s safe to surf this beach, Captain, then it’s safe to surf this beach. I mean I’m not afraid to surf this place, I’ll surf this whole fucking place!” (Coronel Kilgore)