terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quequié Mermão!

Fico bastante feliz em olhar os anos que deixei para trás e perceber que minha trajetória nesta vida é uma curva em ascendência constante no que tange a qualidade de minhas idéias e conceitos. Já fui um idiota, eu sei, (em algumas outras coisas ainda devo ser) já fui crédulo (demais), já fui intolerante, mas penso que já me livrei de boa parte de vícios e manias, pensamentos tortos, dogmas preconceitos e idéias emboloradas que já perderam seu significado. O mais importante é que adquiri a consciência de que devo seguir constantemente evoluindo em meu modo de encarar a vida para aprimorar minha coexistência.

Volto a falar mais sobre isto por aqui outra hora, mas esta pequena introdução tem duas finalidades. Primeiro pra dizer que em uma coisa talvez eu ainda não tenha obtido uma grande evolução: Irrito-me facilmente diante de qualquer manifestação de ignorância. E por fim, que eu acredito que pessoas que se dêem ao trabalho de pensar um pouquinho que seja, de questionar o senso comum, podem assim como eu, abandonar velhos comportamentos.

Pois bem, vamos lá. Acho que o localismo é um assunto esgotado. Todo mundo que está minimamente antenado com o mundo do surf já sabe que tudo o que havia pra ser dito sobre esta babaquice já foi dito. Localismo é um troço estúpido que ainda persiste na cabeça oca de alguns (normalmente os mais ignorantes) que acabam cooptando velhas práticas dos velhos surfistas locais. Como o caso dos garotos nativos que surfavam conosco no pico de Matinhos cinco anos atrás, e que no início eram cordiais e comunicativos até serem intoxicados pelo comportamento primitivo dos “surfistas” mais antigos. Como diria Paulo Francis “O mundo sempre se torna óbvio quando você aposta na imbecilidade disfarçada de bem comum.”. Então, para eles é normal chamar aos outros surfistas de “Haoles”, uma palavra de origem Havaiana, que os miolos –moles repetem como um pretenso insultozinho ridículo, sem saber sequer o seu significado.

Defender seu espaço talvez já tenha sido muito útil como experiência evolutiva. Digo talvez porque ainda não estou muito convencido disso. À luz da realidade, somos todos da mesma espécie, e não me ocorre uma única guerra sequer onde tivemos que defender nosso território contra alienígenas para evitar nossa extinção. Então não entendo muito bem onde este lance de matar uns aos outros por conta de espaço possa ter nos ajudado na outrora árdua missão de perpetuar nossa espécie. Destruir outros agrupamentos humanos com o objetivo de preservar e levar adiante nossa identidade genética pode ter feito sentido quando éramos milhares.Hoje somos milhões, já viramos praga, e perder nosso tempo com isto é pior do que gastar horas na frente de da telinha assistindo um reality show.

Enfim, por algum motivo, por falta de um lumiar de pensamento talvez, existe este troço aí, esse tal de localismo, um arremedo chinfrim das lutas ancestrais por espaço que hoje sem nenhuma utilidade habita como um verme a cabeça oca desta moçada...

...e eis que eu, Guaia, pacato surfista, pacato cidadão, no início do mês novamente foi confrontado com esta asneira comportamental, na praia brava de Matinhos. Depois de um mês sem surfar, a “minha onda do dia” aproximava-se. Remei decidido e um “local” (ta bom vamos chamar o sujeito assim pra facilitar a identificação dos personagens) veio ciscando, remando lá da puta-que-o-pariu, berrando para que eu não entrasse na onda. Pois bem não vou desenhar o ocorrido, nem discorrer sobre suas minúcias. O fato é que o cara cobiçou minha onda e eu azarei a onda dele. O resultado foi o “local” grunhindo “Porra meu ta maluco, vem aqui na minha praia fazer palhaçada, seu otário”. Pois é! Talvez se ele viesse falar comigo sobre o fato de eu não ter o direito de estar naquela onda por uma questão de prioridade, afinal ele vinha da direita e blá, blá, blá, eu ia entender. Mas me irritou profundamente o papo de “minha praia”. Que minha praia, o que, seu Mané! Dono da praia pra mim é coruja, siri, restinga. E eles sim eu trato com respeito!

Bati boca com o “local” durante alguns segundos simplesmente para marcar minha posição. Tenho ciência de que um imbecil que se arvora como dono de um trecho na praia obviamente é um sujeito incapaz de conceber idéias, de pensar por si só. O comportamento de rebanho daquela figura de cérebro atrofiado e músculos hipertrofiados indica apenas que ele segue o comportamento da manada. Só isso. Nada, de questionamentos , como, “Dãã, por que estou agindo assim?”, nada de estabelecer uma lógica discursiva que poderia levá-lo a novos conceitos. Por conta disso nada do que eu falasse iria mudar sua forma de agir.

Remei para longe do grupo onde estava o “local” e ele continuou vociferando. Mas fiquei mesmo impressionado com a atitude dos meus brothers. Enquanto o síndico do pico me insultava os Kakis faziam coro com ele. Sério! Parecia aqueles desenhos/musicais da Disney. O troglodita gritava: Sai fora da minha praia! Sai fora da minha praia! E as matraquinhas Kakis repetiam em coro o refrão _ É , cai fora, cai fora, o mar é deles! Como eu estava bem longe, minha imaginação me fez supor que entre os versinhos de sua desafinada cantoria eles ainda pediam humildemente pro “local”, - Podemos pegar uma ondinha na sua praia? A deixa vai!

Acho que Nietsche em a “Moralidade do Escravo” explica bem boa parte das panacéias inventadas deste mundo e a princípio achei que isto pudesse justificar também o comportamento dos meus brothers. A comoda passividade, a aceitação da “autoridade”, a domesticação. Mas parei de viajar! Não! Acho que não! Meus brothers são suficientemente evoluídos e emancipados em suas idéias para tão pouco! Talvez de uma forma enviesada eles simplesmente arrumaram de improviso uma maneira de evitar confusão. Tudo o que nós queiramos era surfar, e aquela situação era um ruído absolutamente desnecessário naquela manhã de Domingo. Enfim, depois, já na areia, conversamos e rimos sobre o ocorrido, mas todos defenderam seu ponto de vista e logicamente não chegamos a uma conclusão.

Fomos unânimes só mesmo em uma coisa: Surfar deste jeito nos abstrai do verdadeiro espírito do surf, algo que tem muito mais a ver com harmonia, respeito e busca por equilíbrio, do que uma situação desagradável com esta. Surfar não combina com sanhas territorialistas, insultos e stress. Quando acordamos cedo e descemos a serra definitivamente não esperamos bater boca com um “local” anabolizado. Buscamos apenas paredes longas e cristalinas, tubos, cutbacks, risadas , diversão e a paz de espírito que uma surf-session proporciona.