sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Herói do mar

Esta semana tomamos cohecimento da história do artesão e surfista Tony Villela, de 32 anos, que morreu na praia de Pitangueiras, no Guarujá, litoral sul de São Paulo, após salvar dois surfistas. No ultimo domingo (13 de setembro) , ele estava na praia quando viu quatro surfistas em dificuldades na água. Segundo os amigos, ele entrou no mar e salvou dois, os outros dois conseguiram ficar bem, mas Tony perdeu a prancha e foi atingido por ondas fortes quando tentava escalar as pedras que ficam na encosta da praia. Segundo o irmão, como Tony estava com pressa, entrou na água sem o leash preso à prancha.

Passei por uma situação parecida em Ubatuba. Lembro da correnteza forte, o costão, as ondas arremessando violentamente contra as pedras, a dificuldade de boiar em meio a espuma, o desespero tirando sua atenção do objetivo de sair com vida daquela situação... Só o desfecho foi diferente. Acredito que o Brow-lá-de-cima, depois de tudo armado, resolveu interceder e nos dar uma chance. Sei lá, vai ver Ele tinha outros planos pra gente... Mas enfim, sobraram por sorte apenas risos nervosos, pranchas detonadas , arranhões, contusões, uma valiosa lição e um sentimento de união que na época eu imaginava indissolúvel.

Talvez por isto eu não deixe de pensar no destino do Tony Villela. O saudoso Tio Caymmi cantava que “é doce morre no mar”. Também penso desta forma, mas é algo que imagino que seja reservado lá pra finitude de nossas vidas. Quando nosso corpo começa a sofrer com o ocaso biológico penso que o melhor mesmo seja se deixar ser levado pelo mar. Mas não é coisa natural quando você tem 32 anos. Quando você tem uma filha de 11 anos. Quando você ainda tem muitas ondas pra surfar. Além do mais, um ato de tão puro altruísmo não merecia a morte, assim tão já, num triste colapso de tudo que o Tony ainda tinha por viver.

Por coincidência eu lia no domingo, no livro "As cem melhores crônicas brasileiras" um texto de Lorenço Diaféria , escrito nos anos 70 (Herói. Morto. Nós) . Neste texto o autor como um hábil cronista falava sobre heroísmo e criticava a ditadura, (o brow acabou em cana por conta disso) ao narrar um triste fato do cotidiano, a morte do sargento Silvio que ao salvar uma criança que havia caído num foço de ariranhas e estava sendo dilacerado por elas acabou morrendo. Eu devia falar aqui que um foço não é lugar para os pobres bichinhos, que zoológico e circo não é um lugar pra você levar seus filhos e que elas só fizeram isto porque estavam estressadas e não podiam surfar, mas o assunto hoje é outro e eu ia acabar embolando nossa conversa.

Em sua crônica, Lourenço Diaféria dizia que o sargento Sílvio era um verdadeiro herói, e como tal , um santo pois viveu sua vida até as ultimas consequências. Que o heroísmo é fruto de uma total inconciência do perigo e que um herói redime a humanidade à deriva.

Eu acredito que ao jogar-se no mar revolto o Brother Tonny nos aproxima daquilo que podemos chamar de sentido de humanidade. É a prevalencia de tão nobre atitude sobre o nosso determinismo genético, que nos eleva acima da condição humana. Acho que Lourenço Diaféria ao dizer que "um herói redime a humanidade à deriva", referia-e a isto, sobre a nossa docilidade diante do comando do "gene egoísta" que ordena apenas : "Proteja-se, multiplique-se! " . O heroísmo é a mais evidente demonstração de transcendência.

Não tenho dúvidas que Tonny foi mais um dos heróis do mar. Assim como Eddie Aikau que também deixou nosso mundinho de grandes ondas e pequenas coisas vans. A estes brothers, minha fé de que o paraíso tenha realmente tempo bom e ondinhas de montão...

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